terça-feira, 27 de março de 2012

Aquela chama


Voltava a casa como habitualmente, conduzia-me e a mim e à vontade de chegar o mais rápido possível para junto de vós, para vos olhar, para vos admirar os traços que a cada dia se modificavam.
Mas,esta não era uma tarde de um Setembro qualquer, era uma tarde quente de um final de Verão, que sem eu saber mudaria para sempre o rumo das nossas vidas.A minha mudou definitivamente naquele dia. A viagem decorria calma e tranquila, mas o som do telemóvel interrompeu a minha onda de pensamentos…atendi depois de olhar o visor e perceber que quem me ligava o fazia sempre naquela hora e por nisso nada me espantou…pediste-me para levar o mano contigo para casa…querias evitar o meu transtorno de o ir buscar…querias ser responsável…tu sempre o foste…querias fazer-me uma surpresa…querias me ver feliz…Sempre o conseguiste e consegues ainda tu e ele…os dois de mim.
A resposta à tua questão que se subentende, foi a seguinte”Podem ir para casa,então os dois…estou quase a chegar portem-se bem…até já!”Passaram-me tantas hipóteses pela cabeça de coisas possíveis que pudessem fazer no caminho até casa…se encontrariam alguém…se ficariam a brincar à porta de casa…ou a jogar à bola…tantas ideias me surgiram menos uma, a que aconteceu realmente. O desejo de me proporcionar uma surpresa agradável…transformou-se num horrível acontecimento…tudo desabou quando subi aquela escada e vos vi queimados um mais do que o outro…a dor…o desespero… a impotência apoderaram-se de mim e parte de mim morreu naquele dia, quando olhei as queimaduras de um rosto,que poderia para sempre ter perdido a forma. Chorei, gritei por ajuda e perguntei como pode isto acontecer…porquê a uma criança de oito anos…Jamais poderia prever aquela chama... evitá-la?Ainda menos.
No fundo,era sim mais um anoitecer de um dia quente,na temperatura e nas emoções…nos medos que me envolviam sem que eu pudesse resistir.Tudo decorria calmamente em redor de forma insensível…os carros seguiam a sua rota…os pássaros voavam orientados…o vento fazia carícias nas árvores…Só nós três sozinhos,abandonados à sorte de um diagnostico que me aterrorizava os sentidos e me destruía o coração aflito.
Como sempre foram os meus heróis…Os dois…fortes companheiros de uma Vida. Consegui avisar o pai, que como habitualmente, estava a muitos quilómetros de distância em trabalho. Foi,a pior notícia que alguma vez lhe dei e a mais difícil de explicar, por inúmeros motivos que só uma mãe percebe. Senti-me perdida,culpada e temivelmente abatida…demais para conseguir reagir…E sozinha,muito sozinha. Incompreendida por tudo e todos. Chorei dias e dias sem interregno.Familia,amigos,médicos ninguém tinha a meu ver capacidade para entender e ajudar na minha dor.A dor era minha e eu vivi-a à minha maneira…sofri horrores…perdi quilos…aniquilei as minhas capacidades e mudei a minha forma de estar no Mundo e para o Mundo. Renasci,depois de ter morrido parte de mim…hoje sou uma mulher diferente…por vocês mudei por dentro…por fora e a meus olhos também...mas é difícil... Sobrevivi, mas dói e doeu demais.
Ficaram as memórias de decisões difíceis…de perdas sem conta…de mudanças que transformam a vida de alguém que deixa de se valorizar como mulher, no auge na sua Vida profissional, para se dedicar unicamente aos filhos.
Mas a chama quente que vos assaltou a inocência nada vos roubou. Acredito que até vos uniu e fortificou.
Conseguimos eu e o pai, com um esforço descomunal esconder definitivamente as marcas daquele dia fatídico. Os médicos foram decisivos,mas contámos definitivamente para o resultado final com uma força superior que sempre foi impulsionada por uma força enorme, a nossa união e o amor incondicional aliados a uma força inabalável…a nossa.
Mudei tudo… mas mudaria tudo de novo igualzinho…
A chama,essa perdeu ...o seu calor esfriou ,transformando-se em traços suaves num rosto lindo,num corpo digno de alguém, que tem sonhos e consegue "impossíveis" com o dom perseverança.



8 comentários:

  1. Quer seja um poema,uma história ou umas simples linhas,a capacidade de redigir e elucidar está lá e tudo acontece,as palavras são as mesmas e cheias de carinho.Sandra Faleiro

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  2. Só agora enfim consegui vizualizar um pouco o sofrimento que existiu numa época menos feliz. E apesar de termos falado acerca desse acontecimento, agora ao escreveres sobre o mesmo, é como se o estivesse a ver. A capacidade de sofrimento e de renascimento de alguns seres humanos é inimaginável. Tu és como a Fénix, renasces sempre das cinzas. Beijo mj

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  3. Profundidade nas palavras tão bem colocadas. Fiquei com o coração aos pulos!
    Um grande abraço.

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    1. Obrigada pela visita e pela simpatia das palavras...Um beijinho:)

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